Vasco da Gama e a carta em defesa dos negros em 1924

A equipe campeã de 1923

Fundado em 21 de agosto de 1898, o Clube de Regatas Vasco da Gama demorou para entrar no futebol. Criou o departamento da modalidade apenas na década de 20, entrando na Segunda Divisão do Campeonato Carioca da Liga Metropolitana de Desportes Terrestres (LMDT).

Formado, a princípio, por portugueses que moravam na então capital do Brasil, o Vasco foi agregando a seu quadro associativo pessoas de qualquer nível social e origem étnica, ao contrário da maioria dos clubes até aquele momento. E isso não foi diferente com sua equipe de futebol, que em 1922 ganhou a Segunda Divisão do campeonato.

Em 1923, o Gigante da Colina enfrentaria os grandes do futebol carioca até então: América, Botafogo, Flamengo e Fluminense. Com um time que não se importava com a origem e cor de seus atletas, além de treinamento físico e alimentação especial, o Vasco conquistou título de campeão Carioca de 1923, o que revoltou as outras agremiações.

O sucesso do Vasco, que aceitava todos não importando cor, etnia ou classe social, e que vinha da segunda divisão, fez com que América, Botafogo, Flamengo e Fluminense deixassem a LMDT e criassem a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA). Na nova associação, os jogadores só poderiam ser inscritos apenas se comprovassem que tinham 'empregos bons' ou que estavam estudando, algo raro para quem era das classes sociais mais baixas ou negros naquela época.

Jornal noticiando o título de 1923

A medida era clara: evitar os confrontos contra o Vasco, que com seus métodos estava tornando a equipe praticamente imbatível. No contexto das novas regras propostas pela recém criada associação, a agremiação teria que afastar doze jogadores, pois não cumpririam a regra da nova liga. O clube até chegou a se filiar na nova liga, mas vendo que o regulamento visava prejudicar o clube e os jogadores negros, o então presidente do Vasco, José Augusto Prestes, divulgou a seguinte carta:
Rio de Janeiro, 7 de abril de 1924
Ofício no. 261
Exmo. Sr. Arnaldo Guinle, M.D. presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama em tal situação de inferioridade que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.
Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma como será exercido o direito de discussão e voto, e as futuras classificações, obriga-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto a condição de eliminarmos doze (12) jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama, não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos con-sócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se a AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores jovens quase todos brasileiros no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias.
Nestes termos, sentimos ter de comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.
Queira V. Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever de V. Exa. Att. Obrigado.
Dr. José Augusto Prestes
Presidente
Vídeo sobre os campeões de 1923

Com a missiva, o Vasco se excluía da nova liga, por não concordar de deixar os doze atletas de fora. O clube disputou, em 1924, do torneio da LMDT, junto com outras agremiações que não conseguiam se enquadrar no regulamento da nova liga, como Bonsucesso e Villa Isabel. O Gigante da Colina conquistou o caneco com tranquilidade.

Em 1925, um acordo entre a equipe cruz-maltina e a nova associação, AMEA, trazia de volta o Vasco ao campeonato disputado pelos grandes. É verdade que antes deste acontecimento, clubes coo Ponte Preta e Bangu já tinham utilizado jogadores afrodescendentes, mas o clube com seus atletas negros, mulatos e pobres tornava aquele gesto de resistência um divisor de águas na questão do preconceito racial dentro do nosso futebol, já que estava sendo o primeiro a defendê-los publicamente.
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