O primeiro negro do futebol brasileiro – Futebol e minorias

Foto: reprodução

Miguel do Carmo, na Ponte Preta, foi o primeiro jogador negro do futebol brasileiro

O futebol é uma força inquestionável. Capaz de unir povos, vozes, arrastar multidões. Mas às vezes também é cruel. Uma crueldade imposta por quem o gere, às vezes corroborada por quem torce, mas que não condiz de nenhuma forma com o poder do futebol por si só, um poder para todos, democrático, para o povo. 

Nos últimos anos, tem-se levantado diversos movimentos para a inserção de grupos minoritários no futebol, especialmente mulheres e gays. Cantos de torcida homofóbicos tem sido veementemente reprimidos, e a resposta padrão das arquibancadas é: “mas sempre foi assim”, numa tentativa ferrenha de perpetuar preconceitos, e não mudar o que tem urgência em ser mudado. 

Mas já imaginou se, lá atrás, essa resistência ao novo tivesse dado certo? Quando uma realidade é muito natural para nós, nós acabamos esquecendo de como era o mundo antes dela. Hoje é impossível imaginar o futebol sem jogadores negros. Mas nem sempre foi assim. Precisou haver luta, protestos, enfrentamento, para que hoje fosse natural algo que era praticamente proibido. 

Quando falamos sobre a entrada do negro no futebol brasileiro, lembramos automaticamente do Vasco, e não é sem motivo. Em 1923 o clube foi alvo da mais escancarada tentativa de vetar jogadores negros em competições, a ponto de ser proibido de disputar caso não dispensasse seus 12 (às vezes a história conta 13) jogadores negros e operários. O Vasco resistiu, respondeu e venceu. Mas hoje a história não é sobre o Vasco da Gama. É sobre quem começou essa luta bem antes dele. 

Em 1905, o primeiro clube do Brasil escalou oficialmente um jogador negro em uma competição. O Bangu iria disputar o campeonato municipal do Rio, e contava com Francisco Carregal em seu elenco. Mas a Liga Metropolitana de Futebol não permitiu que aquele jogador negro fizesse parte do evento, e o Bangu se afastou do campeonato. Mas ainda precisamos voltar mais um pouquinho na história. 

Confira o vídeo do Brisa Esportiva

Em 11 de agosto de 1900, surgia em Campinas um novo clube de futebol. A Ponte Preta tinha entre seus fundadores homens negros como Benedito Aranha, que fez parte da primeira diretoria do clube. 120 anos depois, ainda é raro vermos pessoas negras em cargos altos nos clubes brasileiros. Mas na Ponte Preta, esta sempre foi a realidade. 

Ainda em 1900, a Ponte teria também o primeiro jogador negro do futebol brasileiro: Miguel do Carmo. Sim, este título é reivindicado pelo clube inclusive junto à FIFA, pois de fato não havia ninguém que tivesse aberto as portas que a Ponte Preta abriu.

E junto com o pioneirismo, também vieram as críticas. No entanto, não vieram da torcida da Ponte, mas de seus rivais. Segundo contam diversas histórias, seus oponentes os chamavam de “clube e torcida de macacos” ou “macacada”. A Ponte no entanto abraçou a alcunha inclusive como forma de protesto, e diz-se que vem daí o apelido do clube, a querida Macaca. 

Ponte Preta, Vasco e Bangu nos mostram que a história se repete. A resistência que encontraram ao brigar com o sistema, se perpetua até hoje. Ainda há grupos minoritários sem espaço nas arquibancadas, nas diretorias, na representatividade. A história nos mostra que perpetuar essas diferenças com a desculpa de que “sempre foi assim”, de que “é coisa do futebol”, não beneficia a ninguém. O que seria de nós se lá atrás, tivéssemos acreditado nisso e não tivéssemos aberto os horizontes para a mudança? Já imaginou o futebol sem Pelé? Sem Garrincha? Sem Leônidas da Silva? 


O futebol por si só é democrático, é abrangente, está presente no DNA brasileiro. Não é justo que homens brancos e heterossexuais se apropriem dele, pois ele é de todos. E não é de ninguém. Quantos grandes ídolos nós possivelmente já perdemos porque há torcidas, dirigentes e mercados que não estão dispostos a dividir o que sequer lhes pertence? 

Estamos em 2020. Que tenhamos todos a mesma coragem que em 1900 a Ponte Preta teve, e que mudou não só o futebol, mas também a História.
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