Os argentinos da Liga Pirata Colombiana

Por Lucas Paes

Equipe do Millonarios que tinha Di Stefano, Cozzi, Reyes, Baéz, Mourín e Pedernera

A Liga Pirata Colombiana seria um dos maiores exemplos de marketing da história do futebol, não fosse o fato de ser um campeonato não reconhecido pela FIFA em sua época. Em 1948, 10 clubes tiveram a ideia de criar a primeira liga profissional do futebol colombiano, em uma época onde em muitos lugares o profissionalismo no futebol engatinhava. A Colômbia tinha a liga Adefútbol, que tinha apoio da federação local e da FIFA e a Dimayor, vulgo liga pirata, que funcionava sem a chancela de confederações, mas pagava muito dinheiro aos jogadores. 

A ideia foi de Alfonso Senior, presidente do Millonarios, aproveitando-se de perturbações no futebol sul-americano. Tanto argentinos quanto uruguaios estavam em greve nos seus países devido as condições do futebol local, tanto a lei do passe da época, que prendia um jogador a uma equipe após esse realizar cinco jogos por ela, quanto os salários baixíssimos pagos. Alfonso viu nisso uma enorme oportunidade de ganhar dinheiro e fazer o futebol explodir e virar popular na pátria cafetera. 

É preciso entender o contexto: na época, havia uma grande briga das ligas nacionais, verdadeiras detentoras do poder do futebol na América do Sul, para manter condições quase amadoras no futebol, principalmente em Argentina e Uruguai. A Colômbia se aproveitou disso para ignorar toda e qualquer regra de transferências e trazer jogadores de diversos locais do continente. O país vivia quase uma guerra civil naquele ano, em conflitos violentos entre Liberais e Conservadores que deixariam 200 mil mortos e o futebol era visto pelo governo como distração e por isso não havia muita regulamentação. Foi o cenário perfeito para a “pirataria”, por falta de um melhor termo. 

Assim começa a história do “El Dorado” da Liga Dimayor. O Millonarios foi direto na Argentina e seduziu os jogadores com salários absurdamente altos. Pedernera, como já explicado em texto aqui no site, era um dos líderes da greve e foi seduzido pelo Millonarios, levando junto Alfredo Di Stefano, um jovem formado no River Plate que já era um dos melhores jogadores do time e o xerifão Rossi. Quem ficou a ver navios foi o Huracán, clube em que Pedernera jogava e o próprio River. 

Não só os jogadores do River foram seduzidos pelos dólares colombianos. A questão do completo desprezo da AFA (Associação de Futebol Argentina) e dos clubes com os direitos trabalhistas fez com que vários jogadores migrassem para a Colômbia. O campeonato não atraiu só argentinos, já que até o brasileiro Heleno de Freitas chegou a jogar no país no período do El Dorado, mas os albicelestes eram maioria absoluta. 

Só o Millonarios tinha, além de Pedernera, Rossi e Di Stefano, o ponta Hugo Reyes, o meia Antonio Baéz, o goleiro Julio Cozzi e o ponta Reinaldo Morin. O Idependiente de Santa Fé, que contava com os ingleses Mitten e Franklin, tinha também Pontoni, o atacante Hector Rial, o matador Mario Fernández e o arqueiro Eusébio Chamorro. Esses são apenas alguns nomes, já que também tivemos jogadores que desconhecidos na Argentina, acabaram virando heróis na Colômbia, como Alfredo Castillo. 

Não é preciso dizer que o torneio foi um sucesso de público, que gerou ganhos financeiros imensos aos envolvidos. Não foi só em campos locais, já que as equipes colombianas passaram a fazer várias excursões ao redor do globo, faturando ainda mais dinheiro para os cofres dos clubes. Foi numa dessas que o Real Madrid observou Di Stefano, inclusive. O futebol, esporte ainda incipiente no país cafeteiro, se popularizou rapidamente com os jogos incríveis da Liga Dimayor. Naquele período, o Millonarios ganhou quatro títulos nacionais e excursionou pela Europa.

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Obviamente, a situação causou protestos das federações argentina e uruguaia. A FIFA, após desfiliar a Colômbia e proibir os jogadores que estavam por lá de jogar por suas seleções, acordou com os colombianos um prazo para a devolução dos jogadores a seus clubes de origem. Foi assim que o “El Dorado” chegou ao fim, no ano de 1954. Para alguns clubes, a situação foi catastrófica e gerou até encerramento de atividades, mas muitos conseguiram aproveitar os frutos. 

A semente plantada acabou gerando frutos. Argentina e Uruguai tiveram que melhorar suas condições trabalhistas aos jogadores, sob o risco de sofrer novo assalto. Na Colômbia, começou a popularização do esporte que geraria bons frutos no futuro, com o futebol se fortalecendo e o país passando a formar ótimos jogadores, principalmente a partir dos anos 1970 e 1980. A Seleção Cafetera é até hoje conhecida por seu jogo veloz e ofensivo, um legado que bebe dessa época. 

A relação entre argentinos e o Campeonato Colombiano não se encerrou por ali. Mesmo depois da profissionalização, jogadores do país passaram pelo futebol de lá ao logo de toda a história. O campeonato tem em sua lista de artilheiros históricos diversos jogadores argentinos e todos eles foram ao país após a Liga Pirata. O maior goleador da história do torneio é o argentino Sérgio Galvan Rey, que jogou por lá entre 1996 e 2011. Apesar dos poucos anos, o legado da Liga Pirata é enorme e é eterno seja pelas histórias ou pelas conexões criadas ou seja pela semente plantada que um dia germinou em Higuita, Valderrama, Aristzabal, Rincon, James Rodriguez, Cuadrado e cia ilimitada.
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