Como Falcão se tornou o oitavo Rei de Roma

Por Lucas Paes


O oitavo rei de Roma, o divino. A Roma nunca se esquecerá de Paulo Roberto Falcão


Roma é uma terra histórica. Segundo a lenda da mitologia, a cidade foi fundada pelo semi-deus Remo, filho de Marte (Ares), que foi seu primeiro rei. Berço da república, do senado e de diversos conceitos que atravessaram a história e mudaram a humanidade, cidade da invenção do aqueduto, sede do império mais glorioso da história, enfim, a Cidade Eterna. No futebol, porém, Roma, assim como Paris, nunca teve um time de proporção a sua história no futebol mundial. Lazio e Roma distam dos titãs Inter, Milan e Juventus, mas no lado Vermelho e Laranja da cidade, um brasileiro foi condecorado por sua gente, como numa república, um rei, como numa monarquia. Este é Paulo Roberto Falcão, que completa 66 anos neste 16 de outubro de 2019.

A ascensão do brasuca ao trono se deu de forma curiosa. Falcão não chegou a Itália como um jogador super conhecido. Ao contrário de caras como Zico, mesmo fazendo parte de um dos maiores esquadrões do futebol brasileiro, ele não chegou a Itália como uma estrela. Pouco importou, como tantas histórias mitologias, foi de onde ninguém esperava que veio o herói. Como tantas lendas, se marcou na história do clube romano, criou sua marca na cidade. Como tantos, venceu guerras, derrubou inimigos, virou quase um deus. Fez isso, porém, sem derramar sangue, sem causar mortes, fez isso com a bola no pé. E me diga, caro leitor, que meio há de virar eterno melhor que com a bola nos pés?


Desconhecido, rapidamente conquistou o coração do torcedor romanista. Estreou em amistoso contra seu Internacional, de onde havia sido comprado por um milhão e meio de dólares, em jogo que terminou empatado. A torcida não se empolgou muito, já que promessas eram de nomes como Zico e Rivelino. Nada que o tempo não mudasse. Já em sua primeira temporada, ajudou a equipe a conquistar o título da Copa Itália. Sua visão de jogo diferenciada, sua classe e seus passes rapidamente conquistaram a torcida romanista. Desfilava como um imponente general que deixava ajoelhados e incrédulos seus rivais. Ao mesmo tempo, era como um auxiliar que deixava a escultura praticamente pronta para entrar na história, restando apenas os toques finais. Quando necessário, também desmontava jogadas como um escudo que salva a vida de um soldado. Em última análise, um rei que ajudava a fazer de sua corte mais forte.

E assim se fez reinado. Se fez a Itália, que não via o Giallorosso no ponto mais alto da Acrópole ser de novo admirado por todos. Por toda a Itália, em 1983, se soube que a Roma era o melhor time. Sem conquistar o scudetto desde 1942, foi com Falcão, Cerezo, Conti, Ancellotti, entre outros nomes de grande peso que o grito romanista ecoou novamente pelo país. Naquela temporada, 16 times disputavam o Scudetto e a Roma ficou acima da Juve e da Inter, ficando a 4 pontos dos bianconeros e a 5 dos nerazzurri, em época que a vitória dava dois pontos. Foram 16 vitórias, 11 empates e três derrotas. 47 gols marcados e apenas 21 sofridos. O rei esteve no trono diante de seus adversários em 27 daquelas 30 batalhas. Marcou um total de 7 gols. Os romanistas ficaram no topo da tabela desde a décima rodada até a última. 

Ai foi a vez de outros exércitos crescerem o olho e tentarem tirar o rei da cidade eterna. A Internazionale, um dos titãs do futebol italiano, que já havia sentido seu poder, chegou perto ao fim da temporada do Scudetto. Diz-se a lenda que houve até intervenção papal para que Falcão ficasse em Roma. João Paulo II, era, afinal, um torcedor romanista. Se verdade ou não, não sabemos, e espero que nunca saibamos, pois essa é a graça das lendas. Porém, jamais vimos Falcão vestir o azul e preto da Inter, ele preferiu manter-se fiel aos que o elegeram o rei.

O sonho quase se tornou ainda maior, com aspectos de império, no ano seguinte, quando a Roma enfileirou exércitos adversários pela Europa, até chegar a decisão, diante de seu coliseu, o Olimpico de Roma, contra o fortíssimo exército de Liverpool. Ali, não houve como evitar a derrota. Os romanistas lutaram, foram até os pênaltis, quando curiosamente o rei não teve um ato muito nobre e deixou de ir a forra nos pênaltis. A Roma acabou não sendo páreo para o titã vermelho das terras inglesas, mas a idolatria do Rei de Roma não foi esquecida. Infelizmente, naquele momento, seria sim abalada. As vezes, o futebol com a dor nos faz lembrar que somos, apesar de tudo, humanos. As vezes até um rei falha.

Ainda assim, a temporada da tristeza na Liga dos Campeões não foi só de lágrimas. A Copa Itália mais uma vez ficou com a equipe Giallorrossa. Num ano em que a competição tinha fase de grupos e depois mata-mata, os romanistas foram enfileirando mais uma vez adversários até decidirem o título e vencerem o Hellas Verona na final, em dois jogos. O primeiro, empate, em Verona. O segundo, uma vitória por 1 a 0, em Roma, que serviu para anestesiar um pouco a imensa dor da derrota na final da Liga dos Campeões. Para Falcão, seria um êxtase final antes do fim de seu reinado.

Lances de Falcão vestindo a camisa da AS Roma

Na temporada 1984/1985, um problema crônico no joelho começou a atrapalhar de vez sua carreira. Ferido, o Rei de Roma só pode estar junto de seu exército em quatro batalhas. Curiosamente, o futebol é um campo da vida onde um rei pode mandar menos que um mero vassalo da diretoria, um vassalo com poder de decisão dentro do clube. Discordâncias entre Dino Viola e Falcão, que culminaram em o jogador ir aos EUA sem autorização dos médicos do clube para uma operação no joelho, acabaram findando o reinado do brasileiro. Foram, no total 128 jogos e 26 gols com a camisa giallorrossa. Números suficientes para dar a Falcão o lugar na eternidade. Lugar esse que talvez Dino Viola não tenha.

Apesar da decisão ser, na época, provavelmente a melhor possível para evitar o desgaste de Falcão e de sua idolatria com a Roma, foram muitos anos até que o time vermelho e laranja da cidade eterna encontrasse outro capaz de carregar as massas de volta ao Olimpico. Seria só com Totti, mais de 15 anos depois, que Roma voltaria a viver seus dias de glória no futebol, voltaria a viver o protagonismo no mundo. Talvez nem tanto rei, mas capitão, independente de tudo, tem seu lugar na eternidade. A Falcão, a eterna gratidão e idolatria de quem ocupa até hoje o maior trono no coração do torcedor romanista. Afinal, independente de circunstâncias, de batalhas, a história consagra os reis como eterno e, no que se trata de Associazione Sportiva Roma, Falcão é, sem dúvida, um rei eterno.
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Um comentário:

  1. Falcão tem seu nome assegurada na história do futebo nacional e internacional. Jogador de técnica apurada, uma elegância ímpar ao jogar.

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